Inês

Rita M. da Costa Aguiar
5 min readApr 30, 2021

Roger Mello e Mariana Massarani
Ed. Companhia das Letrinhas

Este livro narra a história de Inês de Castro, a rainha coroada depois de morta. Uma bela e trágica história de amor, que atravessa gerações trazendo comoção pela sua força e tantos sentimentos envolvidos: intriga, ódio, inveja, conflito de interesses e amor.

Inês foi a Portugal para ser ama da Princesa Constança, prometida em casamento ao futuro rei D. Pedro I, resultado de um acordo de paz entre Portugal e Castela. Inês e Pedro se apaixonaram imediatamente.

Detalhe das páginas internas do livro.

Dom Afonso, rei de Portugal e pai de Pedro, que não aceitava esse romance, escondeu numa torre distante. Em vão. Mesmo com a morte da princesa Constança, os dois não receberam a aprovação do rei e se mudaram para longe, onde viveram a sua história de amor.

O rei, inconformado e com receio de que os filhos de Inês e Pedro reivindicassem o trono de Portugal, mandou matar Inês, aproveitando a ausência de seu filho numa caça. Ao retornar para casa, Pedro encontrou a mulher morta e, furioso, mandou desenterrá-la para que fosse coroada e reconhecida como a rainha Inês, sua mulher e mãe de seus filhos.

Pedro, com os filhos e a mulher morta, retornou a Portugal, onde foi realizada a coroação e a cerimônia de beija mão, com a participação de toda nobreza portuguesa (sob ameaça de morte).

Famosa na literatura portuguesa, a história sobre Inês nasceu da oralidade e só depois começou a ser recontada de maneira escrita, assim como a literatura de cordel, herança portuguesa de um gênero literário popular, que se origina de maneira oral e rimada e depois vira folheto.

Embora, recentemente, em um podcast organizado pela La Fundación colombiana Círculo Abierto, Mariana Massarani tenha declarado que suas referências para esse trabalho tenham sido Bruguel e Pasolini, para nós, a relação imediata foi com a linguagem dos cordéis.

É com essa referência que observamos a linguagem gráfica deste livro. As imagens pretas e o traço simples, similares à xilogravura, cores chapadas e em áreas específicas delimitam a mensagem representada na obra. O livro também foi impresso em um papel que representa o craft, que nos remete ao papel artesanal, assim como os folhetos de Cordel.

O formato do livro é horizontal. Dessa forma, o relato de um fato histórico remete a uma linha do tempo, muito usada para contextualizar acontecimentos.

Detalhe a página interna do livro.

A capa dura, toda vermelha e preta, segue a unidade gráfica do livro. Preto refere-se ao código estético da xilogravura e às ilustrações do miolo. Já o vermelho remete às algas vermelhas que crescem no rio Mondego que, segundo a lenda, são as lágrimas de sangue de Inês.

A rainha Constança representada em azul (rainha → sangue azul), serve ainda de alerta ao leitor de que algo está para acontecer: a morte. Posteriormente, Inês também virá nesta cor, quando é desenterrada para ser coroada.

Nas guardas, encontramos os desenhos de parte da história, como se fosse um sumário gráfico. Também, com a mesma linguagem, há linhas pretas para o desenho e páginas de fundo vermelho.

Detalhe da guarda do livro.

Seguindo a estrutura do livro-álbum, que mistura texto-suporte-imagem, essa obra possibilita ao leitor uma experiência de leitura estética e eferente. É eferente, pois exige que o leitor assuma uma postura mais analítica diante das informações. Ao mesmo tempo, é uma experiência estética, pois o leitor se envolve com as imagens e ideias do livro. Portanto, Inês não é só um livro ilustrado, mas também um livro informativo de ficção. De acordo com Luigi Paladin e Laura Passinetti, esse tipo de livro caracteriza-se “pela combinação de um texto mais ou menos ficcional, isto é, pessoal, com uma estrutura interna ordenada e uma informação que, apesar do tom as vezes informal, não abre mão do rigor” (MEDRANO, 2013, Site Sesc).

Além do texto poético e da remissão às marcas culturais da nossa história como o gênero Cordel, a obra Inês também é um livro “aberto”.

Muitos desses livros cumprem uma tarefa essencial na formação dos leitores como no desenvolvimento de seu espírito cientifico: deixam muitas portas abertas, levantam questões que instigam as crianças e as convidam a discutir ou a pesquisar mais. São livros “abertos”, de acordo com a definição de Natalia Becerra e Cano e M. Elvira Charría, isto é, que ampliam a experiência leitora para além do texto e do livro, e oferecem às crianças a oportunidade de ser ativos em seus aprendizados. (GARRALÓN, 2012, Revista Emília).

A narrativa se constitui por meio do diálogo entre texto, imagem e design, oferecendo uma fruição estética ao leitor. As tensões entre imagem e texto proporcionam o acesso às entrelinhas da narrativa, explorando as lacunas existentes na parte visual e verbal.

Utilizando como recurso a narração de uma criança, uma das filhas do casal, o leitor é surpreendido logo no início por uma narradora onisciente, de uma história que ocorreu num tempo passado em que ela ainda nem existia: “Eu ainda não era uma vez…” Neste tom, ela segue a narração e a apresentação dos fatos e das pessoas, numa espécie de conversa com o leitor, sugestionando e caracterizando a seu bel prazer.

Detalhe das páginas internas do livro.

É no retorno da coroação da rainha que ela faz os relatos. Essa narradora inicia a história, assumindo que ela ainda não existia na época em que seus pais se conheceram. Depois finaliza com uma interrupção para atender a um chamado, deixando em aberto esse paralelo entre o tempo real o e da ficção. Será que ela nascia ali? Naquele momento, Inês é uma obra sofisticada capaz de contar uma história de amor sem final feliz, com leveza e exatidão e, além de não privar as crianças dos acontecimentos reais, mostra que nem sempre a vida é um conto de fadas.

Publicado em 2015 pela editora Companhia das Letrinhas, Inês é um livro de Roger Mello e Mariana Massarani e em 2019 foi publicado pela editora colombiana Cataplum Libros.

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Roger Mello é escritor e autor. Além de vários prêmios nacionais como o prêmio Jabuti, por Meninos do mangue. Em 2014 recebeu por seu trabalho de ilustração um dos mais importantes prêmios internacionais da categoria, o prêmio Hans Christian Andersen.

Mariana Massarani é ilustradora. É autora e já ilustrou mais de quarenta livros infantis. Tem uma empresa chamada Capa Dura em Cingapura com Graça Lima e Roger Mello.

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Texto originalmente elaborado por Rita M. da Costa Aguiar e Roberta Martins em 2017.

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Rita M. da Costa Aguiar

Desenho gráfico editorial, especializado em livro para a infância.