O livro-álbum reeditado

Rita M. da Costa Aguiar
5 min readJun 30, 2021

Reimpressão e reedição são processos naturais no percurso de um livro e acontecem por vários motivos: na reposição do título ao estoque, quando o título muda de editora, quando se faz uma edição comemorativa, quando se adapta um título estrangeiro para uma publicação nacional de acordo com o catálogo que será publicado ou até mesmo uma adaptação para uma compra especial, seja ela pública ou privada. Na criação de um livro, a relação texto, imagem e suporte é afetada por fatores do processo de produção do objeto que acabam interferindo na construção dessa relação.

O suporte é ao que nos referimos quando falamos de sua materialidade, aquilo que configura o livro como um objeto, que por sua vez é elaborado
a partir de algumas soluções gráficas e de conteúdo estabelecidas previamente pela equipe de produção editorial. Cabe ao editor de arte, junto com o editor-chefe, equacionar uma série de elementos para que o livro não seja prejudicado, nem em seu conteúdo, nem em sua apreciação estética.
É nessa hora que se decide qual será o formato, a encadernação, o papel usado no miolo, o acabamento, o ilustrador e o número de ilustrações,
em que cores e páginas estarão e o processo de impressão.

No caso do livro-álbum, essa escolha de formato e papel nasce junto com as outras narrativas e também configura uma voz. Porém, é necessário um conhecimento ou uma pesquisa por parte do autor para saber também o quanto é viável tecnicamente produzir o livro como ele imaginou. Desse modo, pode-se supor que as inovações tecnológicas e as possibilidades de uso de recursos cada vez mais avançados também se configuram em pensamento sobre o livro e na busca de um novo objeto para uma mesma história — a reedição. Nesse sentido, o mercado editorial brasileiro passou por algumas especificidades. O “boom” da tecnologia e do suporte na década de 90.

A partir da década de 1990, no Brasil, alguns fatos políticos e econômicos tiveram impacto no mercado editorial e influenciaram a elaboração do livro como objeto. O primeiro deles ocorreu em 1992, quando chegou ao fim a Política Nacional de Informática (PNI), Lei nº 7.232[1], que proibia a importação de computadores. Com a abertura de mercado em 1992, possibilitou-se a chegada dos computadores nas redações, gráficas e editoras. Com isso, ocorreu uma revolução no modo de trabalhar, acelerando-se enormemente o processo de produção de jornais, revistas e livros.

Dois anos depois, a estabilidade econômica trazida pelo Plano Real, em 1994[2], a baixa do dólar no ano seguinte, a evolução da indústria gráfica e a chegada da internet e dos computadores acarretaram mudanças marcantes na maneira de trabalhar. Esse novo contexto trouxe um novo olhar para a forma de produzir livros e, consequentemente, para a relação entre o texto, a imagem e o suporte. Além das gráficas, os profissionais liberais (freelancers) também se apropriaram de computadores, scanners, máquinas fotográficas digitais e outras tecnologias como instrumentos de trabalho. Somada a isso, a internet ficava cada vez mais veloz, o que abriu diálogo com o resto do mundo e acelerou trocas de linguagem e recursos visuais.

Ainda assim, no início da década de 1990, produzir livros altamente elaborados era muito caro e nem todas as editoras podiam arcar com os custos de produção. A mudança, porém, já havia começado: caro ou barato, era preciso se adaptar ao que viria pela frente.

Finalmente as editoras deram-se conta de que a criança é o futuro leitor adulto, e, portanto, é preciso fazer o melhor para conquistá-la: um bom texto, uma boa ilustração, impressos em papel de qualidade, com uma boa diagramação e um tipo de letra adequado à sua capacidade de leitura (SANDRONI, 2008, p. 227).

Dois casos de Roger Mello

Acontece que muitas obras maravilhosas foram feitas antes dessa enxurrada de possibilidades, e quando surge a demanda de reimpressão ou de uma nova edição, por que não melhorar? Vamos olhar dois casos do autor e ilustrador Roger Mello, que já publicava nesse período de transformação e teve suas obras reeditadas.

O Griso o unicórnio, de 1997, se tornou Griso o único em 2009. Papel couché brilho, quatro cores, acabamento grampo, capa laminação brilho com impressão no verso — foi assim que Griso, o unicórnio, foi publicado em 1997.

Esse título conta, através da história da ilustração, a busca de Griso por seus semelhantes. Cada dupla remete a um período da história da arte: germânica, surrealista, africana…

Da edição de 1997 para a de 2009 aconteceram algumas mudanças:
capa dura revestida em papel texturizado impresso com silk screen,
um processo de impressão que dá um acabamento mais sofisticado.

Os desenhos originais feitos em papel, seguiram ditando o formato, porém foram incluídas páginas extras que acompanham as guardas (papel que encobre o acabamento do verso da capa dura) para que o maior número de páginas possibilitasse a mudança da capa brochura com grampo para a capa dura.

As duas publicações com capa e acabamento diferente.

Ao comparar o texto do original com a nova edição, encontramos mudanças sutis que não mudam o sentido, a não ser pelo título que mudou de Griso o unicórnio para Griso o único.

Em Nau Catarineta, que saiu inicialmente pela Ed. Manati em 2004 e foi reeditado em 2017, a mudança é maior. O formato é o mesmo mas o acabamento é outro: mudou de brochura com lombada quadrada com laminação brilhante para capa dura, laminação fosca. A arte da capa mudou completamente, e também as guardas, a página de rosto e a imagem que abre a versão original, que ganhou complemento e virou uma ilustração de página dupla, quando inicialmente era de página simples. Se essa parte da imagem já existia ou se completaram para essa nova edição, só o autor e editor é que poderão dizer. Ganhar páginas ao mudar um acabamento de brochura para capa dura faz parte do ajuste editorial para que o livro ganhe mais corpo e a lombada não fique tão fina, o que pode prejudicar o acabamento.

Detalhe das duas publicações.

Esses são alguns exemplos pra gente pensar onde e como o suporte interfere no livro, quando essas mudanças acontecem e o que está por trás das escolhas dentro de um processo de reedição. Mas será que essas mudanças interferem na experiência leitora? Vamos tentar responder em um próximo texto.

[1] Informações disponíveis em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7232.htm>. Acesso em: 20 out. 2019.

[2] A respeito disso, citamos um vídeo e uma matéria que ilustram bem a discussão inicial deste trabalho. Os materiais citados encontram-se disponíveis em: https://www.youtube.com/watch?v=gVdmwRfBYrQ e https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/7/03/caderno_especial/52.html. Acesso em: 21 out. 2019.

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Rita M. da Costa Aguiar

Desenho gráfico editorial, especializado em livro para a infância.